Mídia e educação

Por Pedro Fernandes





A idéia para a composição deste texto partiu quando de “zapping” parei num desenho animado que passava em determinado canal de televisão e que mostrava uma comunidade de formigas. Algo me chamou atenção. Foi justamente as feições humanas atribuídas aos insetos e isso me fez retomar outros desenhos animados. Por exemplo, lembrei-me bem dum episódio da Disney em que o pato Donald julgava-se dono do Pluto; de quando Bob Esponja não conseguia amarrar o cadarço do tênis; etc. A humanidade é mesmo prepotente, pensei comigo, é a única que sente necessidade de atribuir caracteres e modelos seus aos animais ou aos seres inanimados.

Mas o que me mais me interessou no desenho das formigas é que estas se apresentavam com problemas de convivência tais quais os nossos; isso a Biologia prova que não existe, aliás, as colônias do mundo animal são sempre modelos para uma sociedade a Thomas Morus. Outro detalhe que captei ainda desse episódio foi a pungência do general formiga em relação à princesa formiga de que ambos casariam e viveriam felizes para sempre. Detalhe: é sabido que o macho da formiga após o ato sexual com a “princesa” morre.

O que dizer dessas concepções apregoadas na mídia televisiva? Parece existir na sociedade contemporânea e a TV nossa de cada dia tem contribuído excessivamente para isto, uma necessidade de quebrar paradigmas, excluir o conhecimento científico da formação dos indivíduos. Isto é, quando a mídia televisiva deveria está preocupada em fazer uma aproximação do mundo científico ao mundo comum, esta contribui para que esse fosso entre ambos se acentue.

Não quero aqui tolher a imaginação criativa nossa, afinal de contas os animais falam e agem conforme humanos desde muito antes da TV seja nas clássicas fábulas. O que quero aqui é suscitar a discussão que, a televisão tem um papel primordial no espaço social atual que vai além do transmitir entretenimento. Conferida a ela o papel de sujeito único e exclusivo capaz de invadir o espaço familiar sem permissão, esta deveria centra-se de que é também sua função a de educar ou pelo menos incutir caminhos à formação de indivíduos críticos o suficiente e não apenas isso, capazes de estar em constante contato com o novo, o inusitado conhecimento científico. Agindo ainda apenas no primeiro papel seu, o de entreter apenas, perde a contribuição social que dela se espera e transforma-se em vilã, desconstrutora do conhecimento.

A imagem de ciência que a mídia televisiva passa ao público é deformada. Aliás, tudo se deforma na TV, até o próprio homem quando se apresenta escravo do seu próprio corpo, por exemplo. A imagem que as crianças absorvem de cientista, outro exemplo que parafraseio de Carl Sagan em seu livro O mundo assombrado pelos demônios, é sempre a de um velho maluco, revoltado, descabelado, prestes a destruir o mundo com alguma de suas invenções. Por que não trabalhar com a imagem de cientista tal qual é, mostrando os avanços mais que benéficos, pelo menos em grande parte, que a ciência fez e faz para a humanidade? Isso soaria como um convite, um despertar para o interesse desde criança para a beleza da curiosidade, o que move a ciência e conseqüentemente o homem. No entanto, até mesmo as descobertas científicas são em grande parte mostradas de maneira deturpada, distorcida; ou se é uma idéia que põe o mundo em perigo ou a idéia descoberta é humanizada a título de embelezamento.

Os programas que se apresentam como educativos são mostrados às escondidas, numa madrugada e/ou ainda apresentados por velhos caquéticos à beira da morte usando novamente da fala de Carl Sagan a título de transformar o programa em algo enfadonho. Não existe sequer um programa jornalístico que se preocupe num debate, num posicionamento críticos de certas discussões. A notícia, nesse caso do jornal é jogada em manchetes e/ou reportagens soltas, secas; privilegiam uma falsa objetividade. Tudo, então, conspira para um deseducar do telespectador.

Tomemos com suporte a divulgação do relatório da ONU acerca do aquecimento global. Todos os jornais preocuparam-se em divulgar a notícia, narrando partes do texto sob o fundo de imagens impactantes, desastrosas, mas nenhum dos canais abertos preocupou-se em debater o documento, por exemplo.

Uma explicação para isso? A mídia muitas vezes tem se comportado no pretexto único de mantenedora do discurso capitalista, de fazer com que os sujeitos que dela dependem única e exclusivamente sejam os últimos a saber de certas questões, sua preocupação tem sido a de vender imagens muitas vezes falsas e deturpadas afim de mantermos perdidos. Isso justifica o turbilhão de informações que nos chegam, muitas vezes que nem nos interessam, mas que estão lá figurando nas primeiras manchetes dos jornais a título de apenas nos entreter. Das cenas acerca o relatório da ONU lembro bem de um jornalista ao dar a notícia, incisivamente ele afirmava: “A temperatura no planeta está subindo e a culpa por isso é nossa”. Ora, de que a temperatura tem subido disso sabemos, mas nossa culpa? Sabe-se que os maiores responsáveis por esse superaquecimento são os grandes países capitalistas, mas a manchete é posta como sendo nós os grandes culpados.

O que mais preocupa é que o papel da TV poderia ser outro, ela tem consciência disso, mas em seu poderio silencioso prende-se ao ideal de fiel escrava das ideologias que regem o capital. Da forma como se apresenta, alimentamos um monstro que joga o homem contra o próprio homem e ainda subestima a capacidade que nos faz humanos, a faculdade de criticar e agir, transforma-nos escravos do capital.

* Este texto saiu no Caderno Domingo do Jornal De Fato (22 de junho de 2008) e faz parte de um conjunto de artigos que discutem Educação e Ensino de Língua Portuguesa, sobre o qual já eu havia falado neste espaço.

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