O vício do assistencialismo

Por Pedro Fernandes



Depoimentos alheios (desculpem por andar ouvindo conversas alheias, mas nossos ouvidos também servem para isto) dão conta de que um novo tipo de dependência começa a demarcar espaço no sambódromo social brasileiro. A apologia carnavalesca, apesar de ainda não estarmos nesse período, é de propósito; não dizem que tudo por aqui é festa... Então, é só uma maneira hilária de ver a coisa.

Identifiquei a causa, sem muitos estudos. Quisera eu ser um mestre na questão social brasileira! Mas impregnei nela certo faro crítico (coisa que anda faltando à escola de samba Brasil) e cheguei a uma conclusão nem tão surpreendente, uma vez que esse tipo finque ou quem sabe não já fincou raízes neste solo mãe-gentil. De imediato caracterizei-o como um novo vício que se alastra nas camadas ditas populares e é composto de um emaranhado exuberante, de causa-efeito incontáveis, mas ainda assim tentei enumerá-los:

1. Os programas de assistencialismo social surgem no governo FHC como medida paliativa de combate ao disparate social entre pobres e ricos no Brasil, através de um elemento chamado incentivo escolar. Era o chamado Bolsa Escola. Agora, a idéia deu tão certo que se transformou em bandeira política, programa de governo e uma forma moderninha de comprar voto às barbas da Justiça Eleitoral. Para os políticos é a mulher boa do carro-abre-alas. E ainda houve quem gritasse aos quatro cantos que candidato tal se eleito acabaria com eles; jamais fariam uma indecência desta, tirar o tapa-sexo que provoca o povão a os reeleger.

2. A finalidade central desses programas assistenciais era incentivar os beneficiados a tomar rumo na vida; estar com os filhos matriculados (ou jogados) numa instituição de ensino; reduzir ou quem sabe erradicar o trabalho infantil. Detalhe: agora, tomou rumo completamente diferente, até se apregoa isso do antigo Bolsa Escola, mas é por debaixo dos panos. Se antes estavam matriculados ou freqüentavam era uma história, mas agora uma grande parcela dos beneficiados joga o dinheiro em mercearias para pagar as cuias de farinha e feijão que compram fiado, ou para pagar as prestações de um jogo de sofá ou a TV nova exposta na sala como progenitora da educação. É a grande parcela que não entende nem pra que serve essa esmola repassada pelo governo, uma parcela acomodada, que já tem isso como uma renda fixa.

3. Esses programas deveriam assistir famílias pobres (que o governo maquia e chama de baixa renda). Mas o programa não é seguro, possui brechas e a quantidade dos que não precisam e deles se beneficiam é enorme. Pensaram em alternativas, mas falharam. O governo que se diz tão conhecedor da realidade pobre brasileira não parou para perceber que há no país escolas de chão batido e à luz de lampião, que jamais acomodariam um ponto eletrônico, como quis criar.

4. O dinheiro destinado aos programas assistenciais do Estado Federal soma uma "mísera" quantia que se incorporada ao orçamento da educação, a bateria da escola de samba Brasil, pilar e base de qualquer nação que almeje o topo das desenvolvidas, faria mais sentido. Esmolas acabam, educação fica!

5. E, se aproximando do fim, esses programas representam uma maquete gigantesca do homem que tem alguma coisa e a divide com o mendigo da porta do banco. É uma nova visão de poder político para com a camada pobre da sociedade; é o ser humano visto como bicho! Basta-lhe uma ração três vezes ao dia para que escape. Não interessa ao poder se esta ala do desfile é ignorante, escrava ou outro adjetivo qualquer (somos criados à imagem e semelhança da fome, nos calamos com um prato de comida ou uma TV 21" na sala para nos entreter; só dizemos, obrigado!). Basta-lhe o reconhecimento às esmolas do Estado e como pagamento venda seu voto, mantendo no poder os chefes que se lembrarão do eleitor somente daqui a quatro anos.

6. E, por fim, uma coisa é certa, dados denotam que com esses programas assistenciais a renda do brasileiro melhorou (2%!), isto é, tem menos pobre "pobre" nas margens do corredor do samba e alguns até aparecem figurando brigas entre si com um discurso de que saíram da miséria e agora se enquadram no carro abre-alas da classe média (média-baixa é lógico!).

Evidentemente que os programas assistenciais representam sua parcela de bem-aventurança, mas será que somente isto nos basta? Não é possível que questões como estas não inquietem a consciência do bicho humanus brasilis. O bom é se fosse só medida paliativa, mas pelo andar da carruagem, o dia amanhece e essa escola não passa.


Este artigo foi publicado no Jornal Correio da Tarde.

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