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Mostrando postagens de outubro, 2008

Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola

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Limites da razão e do poder são temas centrais de um grande filme que teve produção carregada de problemas O épico de Coppola costuma ser tratado como um filme de guerra ou como crônica sobre a malsucedida ocupação norte-americana no Vietnã. Mas seu próprio ponto de partida, a novela de Joseph Conrad, O Coração das Trevas , mostra que sua ambição não se resume a retratar uma guerra. Trata-se mais que tudo de um mergulho na alma humana, nos limites da loucura e do poder, na superação de obstáculos. Uma versão cinematográfica do texto de Conrad havia sido planejada por Orson Welles, mas nunca saiu do papel. O projeto que acabou sendo feito por Coppola circulou antes por vários estúdios, produtores e diretores (inclusive pelas mãos de George Lucas). Não poderia haver alguém mais adequado do que ele, acostumado, desde  O Poderoso Chefão (1971), a rodar trabalhos grandiosos. Só que rigorosamente nada deu certo durante a produção. As filmagens que ocorreram nas Filipinas, deveria

William Faulkner

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William Faulkner nasceu no estado do Mississipi em 1897 e naquela região viveu quase toda sua vida; foi desde sempre um aficionado pela leitura, mas não chegou a concluir a formação básica. No início dos anos 1920 decidiu que seria escritor e começou a trabalhar em empregos diversos para garantir o sustento: ajudante de banco do avô, carteiro, contrabandista de rum, bombeiro, carpinteiro, pintor de paredes... funções que lhe permitiam ganhar o suficiente “para papel, cigarro, comida e algum uísque”. Nesse período, o escritor dedicou-se a expandir outros talentos, além da escrita, como o desenho e a pintura. Foi também a época em que se entregou à leitura e através do amigo Phil Stone, que mantinha relações com nomes como T. S. Eliot, Robert Frost e Ezra Pound, começou na medida que lia esses autores a se corresponder com eles. Talvez por isso, os primeiros exercícios de escrita seus tenha se dado pela poesia. Esse momento de uma vida de incerteza levou Faulkner a querer

Ana Cristina Cesar por Caio Fernando Abreu

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Foi Caio Fernando Abreu quem escreveu a quarta da primeira edição de A teus pés , primeiro título de Ana Cristina Cesar publicado em 1982 pela Editora Brasiliense. Sobre a obra em questão, seduz o leitor a ficar diante de um dos escritores "mais originais, talentosos, envolventes e inteligentes surgidos ultimamente na literatura brasileira." Os dois se conheceram pessoalmente naquele ano e mantiveram uma intensa relação de amizade, mantida através de troca de correspondências, confidências por telefone – estas que nunca chegarão até nós –, embora ele não gostasse da forma de comunicação e foi um dos que fizeram o possível para tentar livrar a poeta do destino desenhado por ela: o suicídio. Numa das cartas que escreveu à amiga Jacqueline Cantore, logo depois da morte de Ana, Caio se questiona: "Com que direito, Deus, com que direito ela fez isso? Logo ela, que tinha uma arma para sobreviver – a literatura – coisa que pouca gente tem." A partida repentina da po

Viva a diferença!

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Por Pedro Fernandes Duramente justapostas e sobrepostas, todas as formas e modos de viver, todas as civilizações do passado desembocam em nós “almas modernas”, graças a esta mistura, os nossos instintos refluem em todas as direções, nós mesmos somos uma espécie de caos. Friedrich Nietzsche Arte: Bruno Munari (Reprodução). VIVA A DIFERENÇA! Estava escrito com letras garrafais num cartaz afixado na entrada, pela parte interna de uma agência bancária. Abaixo da faixa, numa cadeira de cor laranja, estilo jovial, uma senhora simples, por volta dos setenta anos, parcimoniosamente espera. No televisor, clipes com propagandas de alguns produtos oferecidos pelo banco do tipo empréstimos, financiamentos, poder de compra em geral. Esta é a descrição de uma cena que na ausência de uma câmera fotográfica resolvi registrar com  palavras. A fotografia três por quatro verbal é porque me interesso por um dos muitos aspectos possíveis de sua leitura que não o slogan do banco: o da necess

O Nascimento de uma Nação, de D. W. Griffith

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O épico do cinema mudo pode ser considerado o blockbuster de sua época, tamanho seu custo e bilheteria Muitos títulos podem ser considerados grandes filmes ou clássicos; já os mais importantes e influentes são poucos. O Nascimento de uma Nação  é um deles. Provavelmente, entraria em poucas listas pessoais de favoritos: trata-se de um filme longo (mais de três horas), difícil, perturbador por seu tema polêmico, datado em vários aspectos. Ainda assim, é considerado o marco inicial do cinema clássico, por suas inovações técnicas e narrativas que se tornaram a gramática oficial do cinema americano e são usadas até hoje. E, mesmo que atualmente ele não pareça fluente como um blockbuster hollywoodiano, na época causou comoção. Mais de um milhão de pessoas viram o longa em seu ano de lançamento. Acusado de racista, O Nascimento de uma Nação   não pode, de maneira alguma ser reduzido a essa controvérsia. Tecnicamente é um trabalho exemplar. Nele aparecem pela primeira vez artifí

Blindness

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Por Pedro Fernandes Era a tela nua. Branca. Esticada à minha frente. Um mar de leite espichado retangularmente que marcava seus contornos algumas filas depois de onde me sentara. No meio da platéia. Gosto do meio. Quando as imagens começarem a se deslocar elas melhor me envolvem. No meio. Confesso que, apesar de minha paixão pelo cinema andar ancorada a da pela literatura, nunca me senti ansioso para estréias em cinema. Até quando da primeira vez que tive oportunidade de ver um filme no cinema. Não muito distante – foi quando da estréia do  Titanic  – filme que não sei o porquê cheguei a assistir cinco vezes (talvez porque o primeiro que vi no cinema, talvez). Mas dessa vez tive, sim, ânsia. E das muitas. Cheguei a reler o romance do José Saramago para ir com a cabeça ainda inebriada pela sua narrativa densa. 14h55. A tela veste-se. Propagandas. Trailers. Até que um disco vermelho estampou-se tão próximo, que sequer daria para precisar ser o de um semáforo. A primeira cena. E

Itinerários da poesia de Zila Mamede

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Corpo a corpo Pasto branco potro bravo corpo a corpo corre o certo tempo incerto de um corisco Pasto e cobra rosto franco na empreitada: febre e fogo nesse jogo de encontrar-se Pasto e potro rasto e sono em breve trato: rosto acorda laço e corda desatados Pasto grave tenso rosto: cobra-cobra se consome na empreitada re-presada Pasto franco rosto breve fogo e risco fome e riso no improviso desse jogo Pasto bravo potro branco corpo a corpo: na campina o potro: a crina engalanada (Zila Mamede,  Corpo a corpo ) Zila Mamede – itinerário e exercício da poesia (parte V): Corpo a corpo – paisagem dos cinqüent’anos ou uma volta em mágoa por Paulo de Tarso Correia de Melo* “[...] a beleza é tão grande mas ninguém a enxerga.” ( Marinha ou Paisagem dos cinqüent’anos ) Embora a autora defina Corpo a corpo como “uma volta sem mágoa” a cada um dos lugares que marcam o seu itinerário poético, a novidade desses poemas inéditos está,

No país dos homens, de Hisham Matar

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Por Lorraine Adams  O que uma criança pode entender do totalitarismo? No excelente romance de estréia de Hisham Matar, essa pergunta transcendo o campo do psicológico para alcançar algo de raro na ficção contemporânea: uma trama sofisticada, dominada por arquétipos, narrada pela lógica de um menino de 9 anos e escrita com ênfase e o lirismo característicos da poesia. Esse maravilhoso livro foi alvo de diversas campanhas de marketing, mas não deixe que alguém te fale, como os publicitários fizeram na Inglaterra logo que No país dos homens apareceu, que esse é um Caçador de pipas líbio. A criação de Matar poderia estar ambientada em qualquer região do mundo: a Líbia, terra natal do escritor, fica livre de suas idiossincrasias, tornando-se simplesmente um virtual país totalitário. E, ao contrário do best-seller de Khaled Hosseini sobre dois garotos no Afeganistão, o romance de Matar é livre tanto nos lugares-comuns quanto de enfeites. O cerne do livro vai além de alguns temas iso

Vinicius de Moraes

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Por Antonio Candido Os poetas que valem realmente fazem a poesia dizer mais coisas do que ela dizia antes deles. Por isso, precisamos deles para ver e para sentir melhor, e eles não dependem das modas nem de escolas, porque as modas e os poetas ficam. Se hoje dermos um balanço no que Vinicius de Moraes ensinou à poesia brasileira, é capaz de nem percebermos quanto contribuiu, porque, justamente por ter contribuído muito, o que fez de novo entrou para a circulação, tornou-se moeda corrente e linguagem de todos. Do que trouxe, lembro apenas: a peculiaríssima ligação que estabeleceu entre o mar, a praia e a vida amorosa; a mistura do vocabulário familiar com uma espécie de casto impudor; a invenção de um léxico do amor físico que abole qualquer diferença entre ele e o que é considerado não-físico. E mais um uso próprio do ritmo de romance popular, quem sabe inspirado inicialmente em García Lorca. E uma reconstrução do soneto. E a transformação do versículo solene dos primeiros

Itinerários da poesia de Zila Mamede

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Pablo Picasso. Menino conduzindo um cavalo  (1905) O cavalo e menino a Pablo Picasso Era o cavalo em pêlo em pêlo era o menino, e os dois –   mais sua solidão, mais seu destino. Ninguém sabe se o cavalo angustiava a tarde, se do menino era a angústia que o cavalo tocava. Os dois passavam sempre abstraídos (na tarde que continham) da campina de cinzas que os cercava. Se de um, se de outro, súbito chegava o grave canto, já se sabia – era a tarde dos dois: que a do menino, contida numa estrela aparecia, e a do cavalo, sobre montões de feno se dobrava. (Zila Mamede,  Exercício da palavra ) Este é o quarto livro de Zila Mamede, onde toda sua poesia foi reunida, codificada, projeto que delimita fases, mas quer sobretudo, encontrar a linguagem despojada, assumindo um processo que alcança o grande valor de procurar/tentar novas soluções para o verso. [...] Um livro que pode ter uma virtude: não peca, pela unicidade, pela virtude bem comporta