Alvarenga Peixoto, Santa Rita Durão e Silva Alvarenga



Alvarenga Peixoto

Inácio José Alvarenga Peixoto, poeta fluminense, nascido no Rio de 1744 – Ambaca e morto no exílio em Angola de 1793; estudou no Colégio dos Jesuítas como de praxe na época, assim como na Universidade de Coimbra, em Portugal, como também era de praxe aos bastardos; foi onde conheceu o poeta Basílio da Gama de quem se tornou um grande amigo. Formado em Direito, exerceu o cargo de Juiz de Fora da Vila de Sintra em Portugal, bem como a de Senador pela cidade mineira de São João Del-Rei. Também exerceu o cargo de Ouvidor da comarca de Rio das Mortes. Alvarenga, por esse tempo, se dedicou à agricultura e à mineração. 

O poeta tinha um caráter entusiasta e generoso, mas, ao mesmo tempo era ambicioso e perdulário. Com isso conquistou amigos, inimigos e muitas dívidas. Foi amigo dos poderosos da época e partilhava com os demais intelectuais de seu tempo idéias libertárias advindas do Iluminismo. Por fim, pressionado pelas dívidas e pelos altos impostos, acabou se envolvendo na Inconfidência Mineira. A temática amorosa era uma das vertentes da poesia de Alvarenga Peixoto que era casado com a poeta Bárbara Heliodora. Alvarenga era amigo dos poetas Cláudio Manoel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga. Em seus poemas é fácil perceber uma postura crítica quanto à sociedade da época. Entre os poetas árcades, Alvarenga foi o que mais se envolveu na Conjuração. Sua diminuta obra foi recolhida por Rodrigues Lapa e apresenta alguns dos sonetos mais bem acabados do arcadismo brasileiro. O poeta frequentava constantemente Vila Rica.

"Perfeitamente enquadrado na lição arcádica", lembra Antonio Candido em A formação da Literatura Brasileira, "Alvarenga Peixoto escreve como que se exercita, aplicando fórmulas com talento mediano e versejando por desfastio. Por isso é mediana a qualidade de quase todos os seus poemas, sendo impossível equipará-lo literariamente, - como é uso - aos outros poetas mineiros."

Para o estudioso, o poeta lida com a poesia ilustrada pelo apoio a alguns temas fundamentais do seu contexto: "louvor do governo forte que promove a civilização; preeminência da paz sobre a guerra; necessidade de civilizar o Brasil por uma administração adequada; desejo que o soberano viesse efetivamente tomar conhecimento da nossa realidade; aspiração de sermos governados por brasileiros, que compreendessem os caracteres originais do país, marcado pela profusão das raças e a aclimação da cultura européia. É a mistura, típica dos nossos ilustrados, de pombalismo, nativismo e confiança nas Luzes". 

Um canto (gentílico) onde demonstra seu brasileirismo

Esses homens de vários acidentes,
Parados e pretos, tintos e tostados,
São os escravos duros e valentes
Aos penosos serviços acostumados.
Eles mudam aos rios correntes,
Rasgam as serras, tendo sempre armados
Da pesada alavanca o duro malho
Os fortes braços feitos no trabalho.

Segundo Candido, "como em Basílio da Gama, Silva Alvarenga, Cordovil e Cláudio da última fase, também para ele o índio ia se tornando símbolo do Brasil. Nas representações plásticas - escultura, pintura, artes aplicadas - isto se vinha dando desde o Descobrimento, por todo o Ocidente; mas a recorrência dos temas, em arte e literatura, só pode ser tomada em sentido estritamente contextual; de acordo com este, tal prática, no século XVIII e no Brasil, vem acrescida de significado diverso, englobando as ideias do homem natural, liberdade e nativismo, que convergem para a imagem do índio com algemas rompidas, corrente no tempo da Independência para exprimir a libertação do país. Em Alvarenga Peixoto e seus contemporâneos, ainda não se trata disso; também não se trata mais da emplumada alegoria da Quarta Parte do Mundo, ao nível dos jacarés, onças e ananases."




Santa Rita Durão

Frei José de Santa Rita Durão nasceu em Mariana, capitania paulista, em 1722. Mudou-se para Portugal mais tarde e lá veio falecer, em 1784. Foi o segundo do Movimento Árcade brasileiro a dedicar-se ao gênero épico. Celebrizou-se pela obra Caramuru, poema composto de dez cantos, rigorosamente estruturado segundo o modelo camoniano.

Caramuru desenvolve a história do descobrimento e da conquista da Bahia por Diogo Álvares Correia, português que naufragou na região. O poema apresenta muitas descrições das paisagens brasileiras e dos costumes indígenas, o que lhe confere traços nativistas.

Só tu tutelar anjo, que o acompanhas, Sabes quanta virtude ali se arrisca
Essas fúrias da paixão, que acende, estranhas
Essa de insano amor doce faísca ânsia no coração sentiu tamanhas
Que houvera de perder-se naqu’horaSe não fora cristão, se herói fora."
"Paraguaçu gentil (tal nome teve),
Bem diversa de gente tão nojosa,
De cor tão alva como a branca neve,
E donde não é neve, era de rosa;
O nariz natural, boca mui breve
Olhos de bela luz, testa espaçosa.

Candido o tem como o mais "antiguado dos poetas brasileiros do 'grupo mineiro'". Durão é uma figura à parte, diz, "inclusive pela importância que atribui na sua obra à inspiração religiosa; à parte, todavia, mais das escolas de seu tempo". "O Caramuru tem os elementos tradicionais do gênero: duros trabalhos de um herói, contato de gentes diversas, visão de uma sequência histórica. É de duvidar-se que Durão haja lido o pontífice da epopeia de seu tempo, Voltaire, que influiu em Basílio e Cláudio; não conheceria também Milton, que este leu em francês, cantou numa ode e seguiu em certo passo do Vila Rica. A sua linha é camoniana e o intuito foi 'compor uma brasíliada, (Vernhagen), servindo de pretexto o caso de Diogo Álvares, cujo relato fora sistematizado em 1761 por Jaboatão no Novo Orbe Seráfico, mas vinda sendo feito havia mais de um século pelos cronistas."


Silva Alvarenga

Manuel Inácio da Silva Alvarenga nasceu em Vila Rica no ano de 1749 e morreu no Rio de Janeiro em 1814. Sua obra ganhou destaque no aspecto lírico, com inúmeras composições dedicadas à sua musa, Glaura. Utilizou-se basicamente de dois tipos de composição: o madrigal – de origem italiana – e o rondó – de origem francesa, adaptados ao ritmo e a sensibilidade brasileira. O autor terá se servido de forte influência dos de seu tempo. Antonio Candido considera que basta lermos os poemas do jovem poeta para avaliar a influência que terá sofrido de Basílio da Gama, seu conterrâneo. 

A influência, diz Candido, "se manifesta na preocupação com a teoria literária na adoção do alexandrino (que aliás sabe usar com mais segurança e fluência), e no americanismo poético; não indianista, mas visível na exploração de temas e imagens nutridos de natureza brasileira. Antes da sua irrupção feérica nos rondós, eles aparecem n'A Gruta Americana, dedicada ao amigo, verdadeira apoteose do exotismo onde a pátria surge sob forma de índia, ao lado de 'dríades formosas' e 'faunos petulantes'".

Mas que carro soberbo se apresenta?
Tigres e antas,fortíssima Amazona
Rege do alto lugar em que se assenta.

Prostrado aos pés da intrépida matrona,
Verde, escamoso jacaré se humilha,
Anfíbio habitador da ardente zona.

Quem és, do claro céu ínclita filha?
Vistosas penas de diversas cores
Vestem e adornam tanta maravilha.

Por outra parte, relembra Candido, o leitor de seus poemas amorosos sente, desde logo, "obra mais afim à sensibilidade brasileira; um abandono por vezes dengoso, um encantamento pelo ritmo fácil e a imagem saborosa; inclusive o vago tom de serenata, que foge à cançoneta erudita e quase apela para o violão:

Ferve a areia desta praia,
Arde o musgo no rochedo,
Esmorece o arvoredo,
E desmaia a tenra flor.
Todo o campo se desgosta,
Tudo... Ah! Tudo a calma sente;
Só a gélida serpente
Dorme exposta ao vivo ardor.

Glaura, as Ninfas te chamaram.
E buscaram doce abrigo;
Vem comigo, e nesta gruta
Branda escuta o meu amor.

Vês a plebe namorada
De volantes borboletas?
Loiras são, e azuis e pretas,
De mesclada e vária cor.
Aquela ave enternecida,
Que cantou ao ver a Aurora,
Abre as asas, geme agora
Oprimida do calor. 

Para Antonio Candido, Silva Alvarenga foi o primeiro da nossa literatura que "sentiu e exprimiu certos tons da nossa sensibilidade: o quebranto da volúpia à flor da pele e a surdina em que gostamos de cantá-la. Menos por haver inserido plantas e bichos do Brasil, do que por ter suscitado ritmos tão brasileiramente langorosos, merece a estima que lhe votam os amantes da cor local".

Ligações a esta post:
>>> Para ler a primeira post, sobre o escritor Claudio Manuel da Costa, clica aqui.
>>> Para ler a segunda post, sobre o escritor Tomás Antônio Gonzaga, clica aqui.
>>> Para ler a quarta post, sobre o escritor Basílio da Gama, clica aqui.



* Parte dos dados sobre Alvarenga Peixoto foram coletados em Recanto das Letras publicado por Enzo Carlo Barrocco e outra parte compilação de A formação da Literatura Brasileira (Antonio Candido); sobre Santa Rita Durão e Silva Alvarenga ver ABAURRE, Maria Luiza; PONTARRA, Marcela Nogueira; FADEL, Tatiana. Português: língua e literatura. São Paulo: Moderna, 2000 e Antonio Candido.

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