Diário de bordo ou um desafio que possivelmente não irei cumprir

Por Pedro Fernandes




Um dia tinha de chegar em que contaria estas coisas.
Nada disto tem importância, a não ser para mim.

José Saramago, A bagagem do viajante


Quando em processo de gestar um texto, o mundo se encolhe; você se encolhe - se encasula. Não há nada externo a esse caso, a essa cápsula, que lhe convença ser mais importante do que este ser em gestação. Como cangurus devemo-lhes uma atenção dobrada, redobrada, antes que o filhote caia da bolsa marsupial a pular por aí com os pais. Esse é meu caso com a escrita; esteja escrevendo um poema, um texto para jornal, um ensaio acadêmico...

Recentemente, depois de romper o medo que esse mar de letras sempre me imprime dei início oficial a escrita de minha dissertação de mestrado. Isso que agora escrevo nesta post não é um anúncio. Até o presente não vi ainda que textos como dissertações e teses se prestem a esse propósito. Se nos encapsulamos para a escrita, parece que em tais textos nos encapsulamos nas ideias que nele estarão contidas. Há um medo danado de apropriação indevida do que se diga. Eu não nutro esse medo. Só não espalho é aos quatro ventos aquilo que me apetece escrever - qualquer que seja o texto.

Depois de pronto sim: apetece-me ouvir o que acham dele. As críticas construtivas que vierem servirão sempre para nos enriquecer; tenho esse sentimento de solidariedade com o outro, embora digam por aí que sou sujeito arrogante, prepotente - coisa que até hoje, perscrutando com lupa, não consegui ainda entender ao certo. Quando ter personalidade vira sinônimo de arrogância e prepotência é que a coisa hoje anda complicada: há que ser os sujeitos todos padronizados, obedecendo linhas e gracinhas de qualquer hipocrisia que lhe abra os dentes.

No início dessa angustiante cópula entre eu e o texto me veio a ideia de abrir mais uma janela no blog para falar sobre. O propósito dessa janela - a que intitulei de Diário de bordo (mas não farei dela uma coluna ainda que temporária no blog) - está, como tudo aqui, em não ter propósito. Não espere o leitor ler aqui dicas de escrita de um texto acadêmico; não espere o leitor encontrar aqui roteiros devidos, bem estruturados. Não se tratarão de postagens certas, em dias certos, mas esporádicas - que à medida do processo de escrita me forem aparecendo e eu achar por necessárias de expor.

Não é ainda um espaço para confessionário. Este blog - embora muitas vezes faça isso, como agora mesmo - não deve ser reduzido a esse propósito. O que entrará nesse Diário de bordo são elementos inerentes à dissertação que ando a compor: a resenha de uma obra, um fragmento de outra, uma imagem, um filme, uma música - os subsídios externos no decorrer de pouco mais que um ano de leituras e de escritas. Se isso vai servir de algum propósito, não sei; se irei levar a cabo até a data de término desse trabalho acadêmico, também não sei. Há que obedecer tudo ao tempo devido.


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