Lorca entre marinheiros e máscaras

Lorca com Pablo Neruda e outros amigos vestidos de marinheiro. Bueno Aires, 1934


Em seu livro Lorca: The Drawings and Their Relation to the Poet’s Life and Work,  Helen Oppenheimer analisa a figura do marinheiro em desenhos de Lorca e sua relação com sua escrita a título de verificar como na lide com a palavra o poeta traduz a natureza de sua identidade durante os anos de proximidade com Salvador Dalí. Na leitura, a autora ressalta o  caráter simbólico e útil da figura do marinheiro para a compreensão de jogo de representações identitárias.

Oppenheimer lê o marinheiro como um símbolo de liberdade sexual, tanto no que se refere ao amor e à paixão quanto a liberdade criativa que em Lorca vê-se entrelaçada como uma forma de sua expressão sexual. Muitas vezes a palavra "amor" aparece nos desenhos com  marinheiros e eles podem servir para ilustrar essa associação vista pela pesquisadora. Há de se convir, entretanto, que o marinheiro não representa um amor possível, mas pela sua própria natureza, um amor itinerante, fugitivo; sua imagem portanto é uma imagem que é antecipatória do amor idealizado. Além disso, a imagem do marinheiro recobra um isolamento do amor, principalmente do amor proibido, o exilado; exílio que é e não é opcional.

Como um objeto de amor na obra de Lorca, o marinheiro representa um ideal inatingível, um amor que habita o terreno dos sonhos e não realidade. Ele é o objeto de um amor frustrado, amar "como deveria ser, mas nunca como ele é". O marinheiro, nos desenhos, vem de um "mundo de sonho de constante expectativa", e as flores que crescem, muitas vezes de seus olhos ou a boca de outra forma vazias simbolizam o desejo de sonho de uma felicidade passado ou futuro.

Apesar de suas associações com sonhos elevados e desejos inatingíveis, em Lorca, a figura do marinheiro é também um emblema da sexualidade e da paixão carnal, muitas vezes aparecendo como um amante amoroso. O marinheiro bêbado ou o marinheiro que aparece de dentro de um túmulo, por exemplo, estariam para símbolos de uma paixão fatal que leva a morte e desaparecimento.

Outro tema central no trabalho de Lorca, da poesia, peças, aos desenhos, é a máscara. Nos desenhos, ela aparece, assim como o marinheiro, ser um símbolo-chave também no jogo das representações identitárias construídas pelo poeta. A máscara recura a dualidade da identidade, ora é um tentativa de aparecimento do "eu social" ora de sua reclusão. Nos desenhos, Lorca, muitas vezes explora a imagem do palhaço vestindo uma máscara cômica que cai para revelar diferentes rostos escondidos. Para Lorca, a máscara do palhaço é uma face com que as pessoas são forçadas a usar "para enfrentar o mundo” – conclui Oppenheimer.

Nessas representações é possível verificar ainda a influência que o trabalho de artistas surrealistas e cubistas como Pablo Picasso, Joan Miró e, é claro, o mais que amigo Salvador Dalí teve sobre seus desenhos. Seus rostos mascarados são muitas vezes cubista na natureza, revelando múltiplas perspectivas e mudando, e exibir o seu "estilo involuntário" característica que se afastou da representação convencional, sem se tornar completa abstração (Oppenheimer 71).

Um dos desenhos como o tema máscara mais famosos de Lorca é o seu autorretrato em Nova York; nele o poeta se mostra como a própria máscara no centro de uma paisagem da cidade estadunidense, cercado por arranha-céus, estranhos animais pretos, e plantas em decomposição. Assim como sua coleção de poesia escrita durante a sua estadia em Nova York que ele acreditava que deveria ter sido intitulado "Nova York no poeta," Lorca está às voltas com a questão da autoidentidade em um mundo moderno, traçando um paralelo entre si própria e os sentimentos de ser "arrancado" de sua terra natal. Se a máscara é uma fachada determinada pelo indivíduo ou imposta a ele pela sociedade, Lorca a entende como um símbolo de uma identidade interior reprimida.

Há outras representações exploradas no tema da máscara em seus desenhos, como as relacionadas às manifestações culturais hispânicas, como Carnaval.

Abaixo, uma seleção com os desenhos comentados nesta postagem.




Oppenheimer, Helen.  Lorca: The Drawings and Their Relation to the Poet’s Life and Work,  New York, Nova York: Franklin Watts. 1987.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Seis poemas-canções de Zeca Afonso

Boletim Letras 360º #580

Boletim Letras 360º #574

Clarice Lispector, entrevistas

Palmeiras selvagens, de William Faulkner

Boletim Letras 360º #579