A poesia de Herman Melville



Quando estamos diante de um escritor de grande proficuidade é comum recorrermos aos gêneros, entre o mais cultivado, pelos quais ele transitou; é assim que se dão boa parte das grandes descobertas que podem desaguar numa redescoberta do escritor ou a ficarmos apenas com aquilo que de fato o fez estar entre as melhores leituras que já fizemos. Fora do universo dos escritores, no universo comum, muita gente algum dia já se arriscou a desenhar alguns versinhos, nem que seja naquelas situações – delicadas situações – de paixonite aguda (quer dizer ainda supomos que se faça isso). Então, se todos os mortais já se aventuraram por essa seara, esse tipo de aventura tem sido a mais recorrente entre os escritores. Machado de Assis, Rachel de Queiroz, José Saramago, Roberto Bolaño, e a lista se queda para muito longe.

Entre os da lista, está Herman Melville. Autor traduzido no Brasil e conhecido por Moby Dick, eleito já um dos grandes romances universais, e Bartleby, o escrivão. Não muito recente, a Cosac Naify, editora que melhor tem traduzido e editado o romancista por aqui deu a conhecer outro romance, Billy Budd. Mas, além da leva de outros textos inéditos de Melville no país, há uma face que é totalmente desconhecida dos nossos leitores; e, se não é totalmente, é porque ou sabem ler em inglês e têm profundo interesse pela sua obra, ou pela antologia organizada por Mário Avelar em Portugal e editada pela Assírio & Alvin.

A antologia traduz uma seleção de poemas a partir de três de seus livros do gênero: Battle-Pieces and Aspects of the War, de 1866, John Marr and Other Sailors, de 1888, e Timoleon, Etc., de 1981. Mas Melville publicou ainda Clarel – A Poem and a Pilgrimage in the Holy Land, em 1876, justificada pelo próprio Mário como um texto que foge as regras pré-estabelecidas para a edição: o livro de 1876 se caracteriza pelos poemas bastante extensos, seminarrativos, e isso motivou ainda o corte de textos com essa característica que estão nos títulos anteriores citados. Aliás, foi essa lógica também a que guiou Douglas Robillard, que em 2000, editou em inglês The Poems of Herman Melville, sendo este livro, aliás, a base para o trabalho do português. O desafio de Mário foi lidar com uma poesia que, ainda aos olhos da crítica de quando a obra poética de Melville começou a circular, era de difícil acesso, pela linguagem: os jogos prosódicos, as interferências do Middle-English ou do anglo-saxão, a assistemática convocação de vocábulos náuticos, dos jargões científicos, tudo coexistindo ou dialogando com referencias a passatempos ou jogos, as rimas, os jogos intertextuais de difícil compreensão aos que não estão familiarizados com o conjunto de sua narrativa poética, os ecos biográficos de conhecimento apenas dos que tiveram a oportunidade sobre a vida do autor, as elisões, enfim, esse conjunto de características elencadas pelo tradutor de Melville para o português é útil o suficiente para atestar que toda tentativa de torná-lo palatável é já uma grande tentativa.

Quando Melville publicou sua primeira coletânea de poemas já há 20 anos havia publicado Typee, seu romance de estreia. A obra marcou ainda a abertura do insucesso do escritor. Mesmo o primeiro livro tendo sido bem aceito, depois de Battle-Pieces todas as obras seguintes ganharam o desgosto popular e só mesmo os dois primeiros trabalhos que citamos logo na abertura deste texto tiveram a atenção devida, mas isso, depois de sua morte.

A obra poética de Melville está situada na longa tradição da poesia de guerra estadunidense, embora,  todo caráter histórico deva ser, na medida do possível, ‘atualizado’; uma vez ocorra essa possibilidade, como é o caso aqui, o leitor está diante de um trabalho que merece seu devido reconhecimento. Referimo-nos a obra poética, mas a observação é também oportuna para outros gêneros literários, como o romance ou o teatro.  Como terá observado Henrique Fialho sobre, os poemas de Melville, em grande parte ultrapassam as correntes do datado: "A guerra pode ser interpretada sob vários prismas, nomeadamente sob o prisma de quem busca a glória através de um acto que deseja ver-se inscrito na história. Ela é o cenário daquele que se aventura para lá das suas forças, daquele que procura ultrapassar-se a si próprio, mas acaba, paradoxalmente, ultrapassado pela vanidade e pelo esquecimento. Melville pôde constatar por si próprio as injustiças da história." Talvez esteja neste argumento um dos incentivadores para a necessidade de conhecer essa face oculta e ocultada do autor de Moby Dick.

A seguir, um catálogo com alguns poemas de Melville.



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