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Mostrando postagens de março, 2015

A Brasileira e Pessoa

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Por Pedro Fernandes Ir a Lisboa e não ir ao café Brasileira, no Chiado, não é ir a Lisboa. Ainda mais se o viajante estuda literatura em língua portuguesa. O que tem a ver um café com a literatura, perguntarão de imediato. Tudo – responderão ao fim deste texto. Tudo – responderei eu com este texto. E pode ser que não responda. Assim como pode ser que a primeira afirmativa seja apenas a impressão de um viajante que quer estar nos lugares cuja relação de afetividade prevaleça sobre o simples fato de estar. Todo lugar tem sua história. Uns, mais histórias que outros. E eu, numa escala de preferência, sempre irei preferir esses uns . No meu caso, a primeira imagem que me leva à Brasileira e que está marcada erroneamente na memória é a de Fernando Pessoa junto ao balcão de uma recepção a bebericar uns tragos de vinho ou coisa próxima. Sempre acreditei, porque me disseram errado ou porque li errado em alguma parte que este era um retrato tomado na Brasileira onde o Pessoa gos

Herberto Helder

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Herberto Helder num dos últimos registros fotográficos. Alberto Cunha Herberto Helder construiu ousadamente aquilo que mais rareia na literatura contemporânea. Fora toda exposição imposta pela mídia e todo apelo também imposto pelo mercado em torno do escritor fazer um nome e uma obra – ou por que não construir-se como mito. Provou a todos que ser escritor não é (e nunca foi) ser uma estrela do show business, que um escritor não pode estar submisso aos afagos do ego. No fim da sua vida pode ser que a estratégia tenha caído nas graças do capital que via na reclusão do poeta uma possibilidade de trabalhar em torno da valoração da sua obra a partir da inacessibilidade e com isso tenha se exagerado ao limite de transformar sua opção fora do estrelato em produto. A morte sem mestre – seu último livro – prova isso. Não estamos diante de uma poesia de excelência como a já praticada em títulos anteriores, mas o merchandising da tiragem limitada somada a uma aparição nã

Boletim Letras 360º #107

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Uma semana que inicia o fechamento do Mês da Poesia. Depois de enviarmos quatro livros de poemas aos amigos do Letras, estamos ofertando outros quatro. Visitem nosso Facebook e saibam como fazer para ganhar. Mas, um Mês da Poesia do qual saímos mais pobres: estamos sem Herberto Helder e sem Tomas Tranströmer. E isso num curso espaço de tempo. Mas, o que fazemos? A vida é assim: passageira. Leia mais informações sobre ao longo de nosso boletim mais as outras notícias que circularam essa semana em nossa página no Facebook.  O centenário de uma revista que extrapolou suas pretensões para ser eterna. Orpheu . Ao longo deste boletim informações sobre celebrações pela passagem da data. Segunda-feira, 23/03 >>> Portugal: 100 anos de Orpheu 1. Brasil e Portugal celebram uma das datas mais importantes para o movimento modernista: o centenário da Revista Orpheu . A parceria entre países é celebrada no grande colóquio interpaíses 100 anos de Orpheu. 2. Em terras lus

Anjos da desolação, de Jack Kerouac

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Por Rafael Kafka Jack Kerouac não era um primor como escritor. Isso é perceptível em seu clássico mais comentado, On the road. Mas sempre cabe a tentativa de procurar entender em que contexto, em qual parâmetro, Kerouac não era um primor de escritor. Realmente, se olharmos os clássicos e suas escritas trabalhadas com sintaxe profunda e perfeita, veremos nele um escritor amador, movido apenas pela empolgação. Mas se olharmos os parâmetros literários do século XX, em que a escrita se torna menos formal e mais apaixonada, veremos Kerouac como o que ele realmente é: um Buda da escrita espontânea. Em meu último texto, fiz uma comparação um tanto que colocando Kerouac contra a parede: a comparação citada no começo do meu texto sobre O ano da Morte de Ricardo Reis  ( leia aqui )   focava no aspecto pouco político da obra de Jack que era reflexo de seu temperamento até mesmo alienado diante das questões políticas que pululavam no período pós Segunda Guerra. Porém, para ser just

Remissão da pena, de Patrick Modiano

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Por Pedro Fernandes Grande parte dos escritores medíocres necessitam de uma grande história para que aquilo que escrevem possa alcançar alguma transcendência. Os grandes escritores, entretanto, podem converter num excelente romance o feito mais trivial, a anedota mais dispensável, mostrando como a excelência não está apenas no que se conta mas na forma de contá-lo. Patrick Modiano está no segundo grupo; tem a mesma audácia criativa, ouso dizer, do cinema francês em tornar situações banais em profundas histórias. Grande, não no sentido do tamanho, mas da dimensão. Remissão da pena , na edição agora publicada pela Editora Record, por exemplo, tem pouco mais de uma centena de breves páginas. Você pode lê-lo numa sentada. Mas, toca em questões tão singulares de maneira igualmente singular que o leitor, ao modo da leitura do grande romance, sai outro. A edição original – Remise de peine – data de 1988. Ou seja, a tradução chegou muito tardiamente ao Brasil. E deve ter cheg

A questão é esta, não há outra: Gonçalo M. Tavares e a tragédia da sobrevivência

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Por Alfredo Monte «Os acontecimentos que o céu nos proporciona manifestam-se sob as mais diversas formas; e muita coisa acontece, para além de nossos temores e suposições; muita vez o que se espera, nunca sucede; e o que nos assombra, realiza-se com a ajuda dos deuses» (Eurípides, “Alceste”) «Não se trata já de intervir no destino, esse sentido abstrato para onde antigamente                   [caminhavam as coisas (como se fosse um plano inclinadíssimo). Trata-se, sim, de algo bem mais concreto                   [e ofensivo: uma tentativa de intromissão no normal                   [funcionamento dos órgãos humanos (...) Que intervenham no vago destino mas não                   [em vísceras vivas... » Gonçalo M. Tavares, Os velhos também querem viver Era de se esperar que um autor tão prolífico como Gonçalo M. Tavares mostrasse sinais de arrefecimento. No entanto, Os velhos também querem viver  (Editora Foz) prova que sua inventividade cont

Orpheu ou 100 anos de um ano que não acabou

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Fernando Pessoa e o segundo número de Orpheu , por Almada Negreiros (detalhe). “Se existisse qualquer instinto do sensato em moderna literatura, eu começaria pela paisagem e terminaria pelo Orpheu . Mas, graças a Deus, não há nenhum instinto do sensato em moderna literatura, por isso deixo de parte a paisagem e começo e termino pelo Orpheu .” – Álvaro de Campos A revista surgida com o afã de ser uma publicação trimestral sobre literatura não nasceu ao acaso. Ela é produto de outros movimentos que já rondavam o circuito literário português ou é a conjunção de uma quantidade variável de fatores que culminaram na sua criação. Talvez esteja aqui, sem quaisquer misticismos, a raiz de sua eternidade. Além disso, Orpheu  significou um ponto fora da linha comum que dominava Portugal. Antes, em 1910, por exemplo, havia sido publicada outra revista com mesmo afã, A Águia , mas com ambição maior: ser um mensário. Sim, numa época que não deve, de maneira alguma ser confundida com a de h